![]() Introdução ao estudo da Doutrina Espírita I
Para se designarem coisas novas são precisos termos novos. Assim o exige a clareza
da linguagem, para evitar a confusão inerente à variedade de sentidos das mesmas palavras.
Os vocábulos espiritual, espiritualista, espiritualismo têm acepção bem definida. Dar-lhes
outra, para aplicá-los à doutrina dos Espíritos, fora multiplicar as causas já numerosas de
anfibologia. Com efeito, o espiritismo é o oposto do materialismo. Quem quer que acredite
haver em si alguma coisa mais do que matéria, é espiritualista. Não se segue daí, porém,
que creia na existência dos Espíritos ou em suas comunicações com o mundo visível. Em
vez das palavras espiritual, espiritualismo, empregamos, para indicar a crença a que vimos
de referir-nos, os termos espírita e espiritismo, cuja forma lembra a origem e o sentido
radical e que, por isso mesmo, apresentam a vantagem de ser perfeitamente inteligíveis,
deixando ao vocábulo espiritualismo a acepção que lhe é própria. Diremos, pois, que a
doutrina espírita ou o Espiritismo tem por princípio as relações do mundo material com os
Espíritos ou seres do mundo invisível. Os adeptos do Espiritismo serão os espíritas, ou, se
quiserem, os espiritistas.
Como especialidade, o Livro dos Espíritos contém a doutrina espírita; como
generalidade, prende-se à doutrina espiritualista, uma de cujas fases apresenta. Essa a razão
porque traz no cabeçalho do seu título as palavras: Filosofia espiritualista.
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Introdução ao estudo da Doutrina Espírita IV
Se os fenômenos, com que nos estamos ocupando, houvessem ficado restritos ao
movimento dos objetos, teriam permanecido, como dissemos, no domínio das ciências
físicas. Assim, entretanto, não sucedeu: estava-lhes reservado colocar-nos na pista de fatos
de ordem singular. Acreditaram haver descoberto, não sabemos pela iniciativa de quem, que
a impulsão dada aos objetos não era apenas o resultado de uma força mecânica cega; que
havia nesse movimento a intervenção de uma causa inteligente. Uma vez aberto, esse
caminho conduziu a um campo totalmente novo de observações. De sobre muitos mistérios
se erguia o véu. Haverá,com efeito, no caso, uma potência inteligente? Tal a questão. Se essa potência existe, qual é
ela, qual a sua natureza, a sua origem? Encontra-se acima da Humanidade? Eis outras
questões que decorrem da anterior.
As primeiras manifestações inteligentes se produziram por meio de mesas que se
levantavam e, com um dos pés, davam certo número de pancadas, respondendo desse modo
- sim, ou - não, conforme fora convencionado, a uma pergunta feita. Até aí nada de
convincente havia para os cépticos, porquanto bem podiam crer que tudo fosse obra do
acaso. Obtiveram-se depois respostas mais desenvolvidas com o auxílio das letras do
alfabeto: dando o móvel um número de pancadas correspondente ao número de ordem de
cada letra, chegava-se a formar palavras e frases que respondiam às questões propostas. A
precisão das respostas e a correlação que denotavam com as perguntas causaram espanto. O
ser misterioso que assim respondia, interrogado sobre a sua natureza, declarou que era
Espírito ou Gênio, declinou um nome e prestou diversas informações a seu respeito. Há
aqui uma circunstância muito importante, que se deve assinalar. É que ninguém imaginou
os Espíritos como meio de explicar o fenômeno; foi o próprio fenômeno que revelou a
palavra. Muitas vezes, em se tratando das ciências exatas, se formulam hipóteses para darse
uma base ao raciocínio. Não é aqui o caso.
Tal meio de correspondência era, porém, demorado e incômodo. O Espírito (e isto
constitui nova circunstância digna de nota) indicou outro. Foi um desses seres invisíveis
quem aconselhou a adaptação de um lápis a uma cesta ou a outro objeto. Colocada em cima
de uma folha de papel, a cesta é posta em movimento pela mesma potência oculta que move
as mesas; mas, em vez de um simples movimento regular, o lápis traça por si mesmo
caracteres formando palavras, frases, dissertações de muitas páginas sobre as mais altas
questões de filosofia, de moral, de metafísica, de psicologia, etc., e com tanta rapidez
quanta se se escrevesse com a mão.
O conselho foi dado simultaneamente na América, na França e em diversos outros
países. Eis em que termos o deram em Paris, a 10 de junho de 1853, a um dos mais
fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com a
evocação dos Espíritos: “Vai buscar, no aposento ao lado, a cestinha; amarra-lhe um lápis;
coloca-a sobre o papel; põe-lhe os teus dedos sobre a borda” Alguns instantes após, a cesta
entrou a mover-se e o lápis escreveu, muito legível, esta frase: “Proíbo expressamente que transmitas a quem quer que
seja o que acabo de dizer. Da primeira vez que escrever, escreverei melhor.”
O objeto a que se adapta o lápis, não passando de mero instrumento, completamente
indiferentes são a natureza e a forma que tenha. Daí o haver-se procurado dar-lhe a
disposição mais cômoda. Assim é que muita gente se serve de uma prancheta pequena.
A cesta ou a prancheta só podem ser postas em movimento debaixo da influência de
certas pessoas, dotadas, para isso, de um poder especial, as quais se designam pelo nome de
médiuns, isto é - meios ou intermediários entre os Espíritos e os homens. As condições que
dão esse poder resultam de causas ao mesmo tempo físicas e morais, ainda imperfeitamente
conhecidas, porquanto há médiuns de todas as idades, de ambos os sexos e em todos os
graus de desenvolvimento intelectual. É, todavia, uma faculdade que se desenvolve pelo
exercício.
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Prolegômenos
Fenômenos alheios às leis da ciência humana se dão por toda parte, revelando na
causa que os produz a ação de uma vontade livre e inteligente.
A razão diz que um efeito inteligente há de ter como causa uma força inteligente e
os fatos hão provado que essa força é capaz de entrar em comunicação com os homens por
meio de sinais materiais.
Interrogada acerca da sua natureza, essa força declarou pertencer ao mundo dos
seres espirituais que se despojaram do invólucro corporal do homem. Assim é que foi
revelada a Doutrina dos Espíritos.
As comunicações entre o mundo espírita e o mundo corpóreo estão na ordem natural
das coisas e não constituem fato sobrenatural, tanto que de tais comunicações se acham
vestígios entre todos os povos e em todas as épocas. Hoje se generalizaram e tornaram
patentes a todos.
Os espíritos anunciam que chegaram os tempos marcados pela Providência para
uma manifestação universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de Sua
vontade, têm por missão instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a
regeneração da Humanidade.
Este livro é o repositório de seus ensinos. Foi escrito por ordem e mediante ditado
de Espíritos superiores, para estabelecer os fundamentos de uma filosofia racional, isenta
dos preconceitos do espírito de sistema. Nada contém que não seja a expressão do
pensamento deles e que não tenha sido por eles examinado. Só a ordem e a distribuição
metódica das matérias, assim como as notas e a forma de algumas partes da redação
constituem obra daquele que recebeu a missão de os publicar.
Em o número dos Espíritos que concorreram para a execução desta obra, muitos
se contam que viveram, em épocas diversas, na Terra, onde pregaram e praticaram a
virtude e a sabedoria. Outros, pelos seus nomes, não pertencem a nenhuma personagem,
cuja lembrança a História guarde, mas cuja elevação é atestada pela pureza de seus
ensinamentos e pela união em que se acham com os que usam de nomes venerados.
Eis em que termos nos deram, por escrito e por muitos médiuns, a missão de
escrever este livro:
“Ocupa-te, cheio de zelo e perseverança, do trabalho que empreendeste com o
nosso concurso, pois esse trabalho é nosso. Nele pusemos as bases de um novo edifício
que se eleva e que um dia há de reunir todos os homens num mesmo sentimento de amor
e caridade. Mas, antes de o divulgares, revê-lo-emos juntos, a fim de lhe verificarmos
todas as minúcias.
“Estaremos contigo sempre que o pedires, para te ajudarmos nos teus trabalhos,
porquanto esta é apenas uma parte da missão que te está confiada e que já um de nós te
revelou.
“Entre os ensinos que te são dados, alguns há que deves guardar para ti somente,
até nova ordem. Quando chegar o momento de os publicares, nós to diremos. Enquanto
esperas, medita sobre eles, a fim de estares pronto quando te dissermos.
“Porás no cabeçalho do livro a cepa que te desenhamos (1), porque é o emblema
do trabalho do Criador. Aí se acham reunidos todos os princípios materiais que melhor
podem representar o corpo e o espírito. O corpo é a cepa; o espírito é o licor; a alma ou
espírito ligado à matéria é o bago. O homem quintessencia o espírito pelo trabalho e tu sabes que só mediante o trabalho do corpo o Espírito adquire conhecimentos.
“Não te deixes desanimar pela crítica. Encontrarás contraditores encarniçados,
sobretudo entre os que têm interesse nos abusos. Encontrá-los-ás mesmo entre os Espíritos,
por isso que os que ainda não estão completamente desmaterializados procuram
freqüentemente semear a dúvida por malícia ou ignorância. Prossegue sempre. Crê em Deus
e caminha com confiança: aqui estaremos para te amparar e vem próximo o tempo em que a
Verdade brilhará de todos os lados.
“A vaidade de certos homens, que julgam saber tudo e tudo querem explicar a seu
modo, dará nascimento a opiniões dissidentes. Mas, todos os que tiverem em vista o grande
princípio de Jesus se confundirão num só sentimento: o do amor do bem e se unirão por um
laço fraterno, que prenderá o mundo inteiro. Estes deixarão de lado as miseráveis questões
de palavras, para só se ocuparem com o que é essencial. E a doutrina será sempre a mesma,
quanto ao fundo, para todos os que receberem comunicações de Espíritos superiores.
“Com perseverança é que chegarás a colher os frutos de teus trabalhos. O prazer que
experimentarás, vendo a doutrina propagar-se e bem compreendida, será uma recompensa,
cujo valor integral conhecerás, talvez mais no futuro do que no presente. Não te inquietes,
pois, com os espinhos e as pedras que os incrédulos ou os maus acumularão no teu
caminho. Conserva a confiança: com ela chegarás ao fim e merecerás ser sempre ajudado.
“Lembra-te de que os Bons Espíritos só dispensam assistência aos que servem a
Deus com humildade e desinteresse e que repudiam a todo aquele que busca na senda do
Céu um degrau para conquistar as coisas da Terra; que se afastam do orgulhoso e do
ambicioso. O orgulho e a ambição serão sempre uma barreira erguida entre o homem e
Deus. São um véu lançado sobre as claridades celestes, e Deus não pode servir-se do cego
para fazer perceptível a luz.”
São João Evangelista, Santo Agostinho, São Vicente de Paulo, São Luís, O Espírito
da Verdade, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swedenborg, etc., etc.
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